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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Mesmerismo e Espiritismo


Mesmerismo e Espiritismo

Jáder dos Reis Sampaio
É muito usual nos centros espíritas falar-se que o passe tem suas origens em Mesmer, contar-se sobre a tina das convulsões e que o médico vienense magnetizava a água. Estes são alguns dos aspectos do trabalho do mesmo que foi bem mais amplo e que marcou profundamente a Doutrina Espírita, seja em sua terminologia, seja nos princípios teóricos nos quais se baseia a sua prática.
Formação de Mesmer.

As opiniões sobre Franz Anton Mesmer (1734/1814) são controvertidas ainda hoje. Alguns o consideram charlatão, outros místico e biógrafos como Zweig são entusiastas em defender sua erudição e espírito científico, que afirma terem sido subvalorizados pelas instituições acadêmicas de sua época.
Sua formação intelectual foi ampla. Possuiu títulos acadêmicos em teologia, filosofia, direito e medicina. Prosseguiu estudando geologia, física, química, matemática, filosofia abstrata e música.

O Início da Clínica.

Mesmer iniciou seu trabalho clínico com magnetismo por volta de 1774, quando tornou-se moda usarem-se ímãs como terapêutica para as doenças do corpo. Entre os métodos inicialmente adotados, Mesmer aplicava diretamente ímãs sobre regiões enfermas, friccionava-as, colocava ímãs em bolsinhas de couro para que seus pacientes as usassem no pescoço, magnetizava água, taças, espelhos, vestidos, instrumentos musicais e outros objetos por fricção. Procurou um meio de acumular a energia magnética e conduzi-la. Construiu então o "baquet", ou cuba da saúde, que viria a ser conhecido como a tina das convulsões. Era um grande tanque de água em que "duas garrafas cheias de água magnetizada correm convergentes para uma barra provida de pontas condutoras móveis, das quais os pacientes podem aplicar algumas nas regiões doentes." (ZWEIG, 1956. p.37)
Posteriormente o médico vienense abandonaria os ímãs e escreveria um tratado sobre o "magnetismo animal", onde atribuiria às suas próprias mãos o desprendimento de uma força que curaria os males orgânicos e impregnaria objetos. "De todos os corpos da natureza é o próprio homem que atua com mais eficácia sobre o homem."
No mesmo ano em que redigiu seus primeiros escritos sobre o magnetismo animal (1776) ele defendeu uma tese sobre a ação dos astros sobre o homem através de um éter primordial.

Mesmeromania.

Um dos momentos importantes da clínica de Mesmer foi em Paris, na década de 80, quando o povo francês tomou-se daquilo que Zweig denomina "mesmeromania". As descrições dos biógrafos nos sugerem um misto de magnetização e misticismo. Mesmer montou três grandes cubas no seu pequeno hospital. Neste ambiente, tocava-se piano ou harmônio e Mesmer entrava na sala usando uma longa bata de seda lilás e carregando consigo um bastonete de ferro com o qual tocava as áreas afetadas dos pacientes. Enquanto caminhava pela câmara era freqüente o surgimento de convulsionários, principalmente no meio dos pacientes que se tratavam na cuba. É curioso destacar que os pacientes sob a ação do magnetizador eram chamados médiuns e o fato se deve à sua condição de meio de atuação do magnetismo animal.

Convulsionários.

Uma comissão científica composta por Lavoisier, Bailly, Jussieu, Guilhotin e Benjamim Franklin, pelo rei Luís, para pesquisar o fenômeno descreve os convulsionários como se vê:
"Uns se mostram tranqüilos; quietos e como enlevados; outros tossem, cospem, experimentam imensas dores, calor em todo o corpo e têm acessos de suor; outros são presas de convulsões extraordinárias em número, duração e força. Quando se manifestam em um deles, se transmite em seguida aos outros. A comissão as viu prolongarem-se por espaço de três horas, seguidas de expulsão pela boca de uma espécie de água turva e viscosa, devido à violência dos esforços. Observam-se nesses escarros algumas gotas de sangue.
Tais convulsões se caracterizam por irreprimíveis e repentinos movimentos dos membros e de todo o corpo, contrações na garganta, tremores na região abdominal (hipocôndrio) e na do estômago (epigástrio), perturbações e fixidez do olhar, gritos agudos, eructações, choros e acessos selvagens de riso. Seguem-se logo prolongados estados de cansaço e abatimento, languidez e prostração. O menor ruído inesperado os sobressalta em extremo e se tem observado que as mudanças de tom e compasso nas melodias que se interpretam ao piano influem nos enfermos, de modo que um crescendo os excita mais e aumenta a violência dos acessos nervosos.
Nada mais estranho do que o espetáculo dessas convulsões e quem não as viu não pode imaginá-las. Não pode também ninguém deixar de se surpreender ao ver, de uma parte, a calma perfeita de uma série de pacientes e, de outra a excitação dos restantes; os diversos incidentes que se produzem e a simpatia que reina entre eles; vêem-se enfermos que sorriem reciprocamente e conversam com grande delicadeza e afabilidade, o que abranda seus espasmos. Com sua força magnética Mesmer conserva-os subjugados e, se se acham num estado aparente de prostração, seu olhar e sua voz os reanimam num instante."
(ZWEIG, 1956. p.71)

Sonambulismo:

Junto aos convulsionários houve um outro tipo de reação, a dos médiuns sonambúlicos. Estes caíam em um estado semelhante ao sono e eram passíveis de sugestões. Mesmer, entretanto, não deu o devido valor a este fenômeno, valor que só veio a ser dado pelo Marquês de Puységur. Puységur estudou os médiuns sonambúlicos (latim: ambulo = passear, andar; somnus = sono) e descreveu coisas importantes sobre eles, como a inexplicável capacidade que possuem de andar de olhos fechados por lugares perigosos sem caírem ou acidentarem-se. Falou de um "sens interieur" ou uma dupla vista (no inglês: second sight). Os médiuns sonambúlicos podiam responder perguntas e um aprofundamento em suas faculdades acabou evoluindo para as chamadas reuniões mediúnicas do início do século XIX. Estas reuniões traziam muitos elementos do Mesmerismo, como a "cadeia" de participantes, popularmente conhecida nos dias de hoje como "corrente" ou "fechar a corrente", que era a colocação das pessoas ao lado da cuba da saúde.

Sucessores de Mesmer:

O trabalho de Mesmer desencadeou uma série de escolas que sucederam-no na tentativa de trabalhar com a ampla fenomenologia levada a público pela mesmeromania. Observam-se algumas tendências através do esquema abaixo:
1) Escola Fluidista. Explica os fenômenos pela exalação de uma substância nervosa corporal. Dos muitos ramos que esta escola possui podemos citar Deleuze, Reichembach, entre outros.
2) Escola Animista. Explica os fenômenos pela atuação da vontade sobre a consciência. Podemos citar os trabalhos de Barbarin (sugestão), James Braid (hipnose) e os desencadeados por eles como os de Charcot e Bernheim.
3) Escola Espiritualista. Explica os fenômenos pela ação de entidades extracorpóreas sobre a consciência. Podemos citar a Teosofia (Blavatsky) e o Espiritismo (Kardec).

Ressalva-se que as escolas não são mutuamente exclusivas, isto é, a explicação de uma escola não elimina a explicação de outras, embora alguns dos autores acima citados tivessem reduzido seu trabalho ao seu campo teórico e não dessem notícias dos outros.
O trabalho de Kardec cabe nas três classificações, uma vez que ele relativiza os fenômenos e atribui causas diferentes a fenômenos diferentes. A grande ênfase do seu trabalho, entretanto, reside no desenvolvimento da terceira hipótese, que ele desenvolve no sentido de diferenciá-la do seu objeto de trabalho e não buscando aprofundar-se nela.

Mesmer em Kardec.

As influências do mesmerismo na obra de Kardec são claras.
"Allan Kardec reconhece que o estudo do magnetismo despertou o seu interesse desde 1820; o que fez dizer a certos adversários do Espiritismo, como René Guenon, que os médiuns de Allan Kardec estavam hipnotizados pelo fundador do Espiritismo e que falavam segundo a vontade dele. (...) O magnetismo, escreve Kardec em 1858, preparou o caminho do Espiritismo e os rápidos progressos desta última doutrina são devidos, incontestavelmente, à vulgarização dos conhecimentos sobre a primeira. Dos fenômenos do magnetismo, do sonambulismo e do êxtase às manifestações espíritas, não há mais que um passo..."
(MOREIL, 1986. p.47)
Uma primeira influência é a da terminologia. Kardec "redefiniu" muitos termos do magnetismo. Muitos leitores do Espiritismo acreditam que ele criou as palavras, mas não é verdade: Kardec criou conceitos novos. Palavras como espírito e médium são anteriores ao codificador. O sentido atribuído a elas por Kardec é que é singular à Doutrina Espírita; são conceitos a partir dos quais ela se constitui.

Médium, para o mesmerismo, é a pessoa que se coloca sob a ação do magnetizador. Para Kardec, "todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos espíritos é, por este fato, médium." (Kardec, 1861. cap. XIV)
O termo médium sonambúlico cabe também às duas ciências com acepções diferentes. Para o mesmerismo este seria qualquer pessoa que entra em estado sonambúlico mediante a aplicação do magnetismo. Em Kardec os médiuns sonambúlicos seriam apenas os sonâmbulos capazes de acusar a presença de espíritos e servirem como seus intérpretes ou intermediários. (Kardec, 1861. § 172 a 174)
A noção de um éter primordial está presente em "O Livro dos Espíritos" e em "A Gênese", ampliada e discutida com o nome de "Fluido Universal ou Fluido Cósmico". Em ambos Kardec também trata de temas como letargia, sonambulismo, dupla vista, convulsionários e outros temas importantes ao mesmerismo.
Há três mensagens atribuídas a Mesmer, publicadas na Revista Espírita (1864, p.303 e 1865, p. 153).
Kardec publicou diversos artigos sobre o magnetismo na Revista Espírita. Neles, Kardec faz assertivas como: "O Espiritismo liga-se ao magnetismo por laços íntimos, como ciências solidárias." Ou então: "Os espíritos sempre preconizaram o magnetismo, quer como meio de cura, quer como causa primeira de uma porção de coisas..." Kardec queixou-se dos ataques desfechados por adeptos do mesmerismo em sua época contra o Espiritismo, defendeu os magnetizadores e seu tratamento à base de toques e passes magnéticos, defendeu-os também contra ações judiciais movidas por pacientes insatisfeitos. Relatou o tratamento pelo hipnotismo e descreveu o caso de pacientes tratados por Braid e Broca e por outros acadêmicos da época.

A incorporação dos "passes magnéticos" e da "água magnetizada" ao movimento espírita, não é uma mera transposição de práticas, uma vez que Kardec estudou e propôs a ação e intervenção dos espíritos no tratamento magnético, ampliando a noção de fluido.

O conhecimento do Mesmerismo e de outras doutrinas contemporâneas a Kardec facilitam o estudo da obra do codificador e nos permite fazer leituras mais precisas. Obviamente, o sentido atual de magnetismo, postulado pela Física, difere bastante do sentido do magnetismo de Mesmer. Ignorar este aspecto é perder o sentido de muitas afirmações do codificador. Muitos enganos cometidos por leitores e comentaristas desavisados, e muitas vezes polemistas contumazes, seriam mais facilmente esclarecidos se conhecêssemos melhores as nossas raízes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BALZAC, Honoré. Úrsula Mirouët. A comédia humana. (3ª ed bras) Rio de Janeiro: Globo, 1955. v.5, cap.6. Primeira edição francesa em 1841.
  • CASTELLAN, Yvonne. La metapsíquica. Buenos Aires, Editorial Paidós, 1955.
  • ___________________ O Espiritismo.São Paulo: Saber Atual, 1961.
  • EDGE, H. et al. Foundations of parapsychology. London: Routledge & Kegan Paul Inc, 1986.
  • ESPECHIT, A. Aksakof versus Kardec. Correio Fraterno do ABC. São Paulo, suplemento literário, fev 87, p.3, mar 87, p.1, abr 87, p.4, mai 87, p.4.
  • FARIA, Osmard A. O que é hipnotismo. São Paulo: Brasiliense, 1986.
  • KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. (44ª ed. pop. bras.) Rio de Janeiro: FEB, 1978. Primeira edição francesa em 1857.
  • _____________ O livro dos médiuns.(40ª ed. bras.) Rio de Janeiro: FEB, 1978. Primeira edição francesa em 1861.
  • _____________ A gênese.(16ª ed. bras.) Rio de Janeiro: FEB, 1973. Primeira edição francesa em 1868.
  • KARDEC, Allan (Org.) Revista espírita.(1ª ed. bras.) São Paulo: EDICEL, 1986. Traduzido das edições francesas de 1858 a 1869.
  • MOREIL, André. Vida e obra de Allan Kardec. São Paulo, EDICEL, 1986.
  • WANTUIL, Zêus, THIESEN, Francisco. Allan Kardec. Rio de Janeiro: FEB, 1980. v.2.
  • ZWEIG, Stephan A cura pelo espírito. Rio de Janeiro: Delta, 1956.
Extraído de SAMPAIO, Jáder (org.) Doutrina Espírita, Cristianismo e História. Belo Horizonte: Publicação Autônoma, 1996. (Publicado no Boletim GEAE Número 475 de 18 de maio de 2004)

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